05/12/2025

Psicomancia

 Minha mãe no oítão, escorada no cabo de vassoura, conversando sem pressa, como se qualquer mudança no mundo tivesse a obrigação de esperar o fim daquela prosa. O fim da tarde espalhava seu dourado pelo terreiro como quem avisa que está indo embora. Chorei ao me aproximar, vindo do quintal, com aquela urgência que nem eu sabia explicar. Apenas senti que algo em mim se desfazia devagar, como o sol desfazia a luz. Ela não perguntou nada. Só me acolheu contra o corpo, sem alterar o curso da conversa, me embalando como se meu descompasso fosse parte natural do dia que acabava.


Eu me lembro do instante sem nome. Não era dor de machucado, não era medo de bicho, não era tristeza de brinquedo quebrado. Era outra coisa, mais leve que o ar e, ao mesmo tempo, mais pesada que o próprio dia que morria diante de mim. Um pressentimento. Uma sombra que ainda não era sombra, só um toque frio na alma antes mesmo de eu descobrir que tinha uma.

E foi ali, naquele balanço distraído, que senti a presença dessa coisa sem corpo. Não se mostrava, apenas se insinuava. Um arrepio interno, uma espécie de vazio que não doía e, mesmo assim, me fazia tremer por dentro. Enquanto o sol se esvaía pelas frestas das árvores, eu percebia que o mundo se tornava imenso demais, e eu, pequeno demais para caber nele. A luz dourada parecia se despedir não só do dia, mas de algo em mim.

A sensação não tinha forma, não tinha história, não tinha explicação. Era pura preconsciência. Um aviso mudo vindo de um lugar que eu ainda não alcançava. Como se o próprio crepúsculo me tocasse o peito e murmurasse que a existência carregava mais sombra do que eu supunha.


No colo da minha mãe, não encontrei alívio. Encontrei contraste. O calor dela acentuava o desamparo que me rondava. Era uma estranha clareza: tudo podia escorrer como aquele dia, sem promessa de retorno. A noite avançava, e eu entendia, de um modo incompatível com minha idade, que o mundo podia se apagar sem aviso.


A criança que eu era não compreendia nada, mas sentia tudo. E naquela mistura de medo, silêncio e luz morrendo, fui iniciado no peso secreto da vida: o primeiro toque do inexplicável, a suspeita inaugural de que existir é mais profundo e mais escuro do que qualquer tarde dourada deixa parecer.

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