talvez e só talvez, a poesia salve alivie as dores da alma entre tantos espinhos que nos espetam.
05/01/2025
Café da Manhã
Ao acordar, fui para a sala. Por falta do que fazer, girei a ampulheta que jazia sobre a mesa de centro, deixando-a apontar, impessoal e inevitável, o passar do tempo. Fui fazer meu café. O aroma quente se espalhou pela cozinha, preenchendo o vazio da manhã cinzenta com uma espécie de conforto, breve, mas necessário.
Voltei para a sala. Sei que passou uma hora, talvez um pouco mais. A ampulheta já havia transferido toda a areia de um bulbo para o outro. Uma hora transcorrida numa segunda-feira que parecia não ter rosto. O horário exato? Não sei. Não importa. É como a vida: a gente desconhece, ignora seu transcorrer. Quando percebe, está vazio de tempo. Não há como inverter os lados e começar tudo de novo.
O tempo escorre. Passam-se segundos, minutos, horas, dias, anos, vidas. Tudo vai se esvaziando. E a ampulheta nos lembra, cruel e precisa, que é só de ida. A vida não tem volta. A vida só tem morte. Talvez, com sorte, tenha também uma dança. Quem sabe uma dança entre um minuto e outro, antes do vazio final. Mas a dança final é sempre solitária, um solo de rodopios desajeitados, cheios de vertigem e descompassos. A vida é isso: um solo mal executado.
Mas ainda assim, é linda !
Volto para a sala e viro novamente o bulbo da ampulheta, como se, ao fazê-lo, eu pudesse prolongar algo — a contemplação, a ilusão, ou apenas a manhã cinzenta. Sento-me e olho a areia escorrendo. Cada grão forma um pequeno monte, silencioso e implacável. "Olha", eu digo a mim mesmo, "o tempo está escorrendo grão a grão. Cuide. Avie."
Mas não cuido. Não me apresso. Apenas contemplo. Testemunho. O café esfria na xícara, e eu me deixo levar pelas palavras de um poema. Porque, se é para morrer, que seja com palavras bonitas nos lábios. Que ao menos a alma se encha de beleza emprestada, mesmo que por um instante, pelos sentimentos de poetas que transformaram suas vidas — e a nossa — em versos.
E, no fim, cada grão que escorre traz um lembrete mudo: a ampulheta não devolve o que foi. Mas, talvez, as palavras nos devolvam. E, assim, seguimos.
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