29/03/2020

ESQUECIMENTOS

Há anos venho escrevendo aqui. Meia dúzia de gente passou uma olhada por esses textos rotos e mal escritos e verborrágicos cheios de mais do mesmo o tempo todo. Não me sinto culpado por isso. O que é a vida senão esse finita repetição até a cova?
Fomos ensinados a nem falar a palavra aniversário, pois na cabeça de nossa mãe só ricos faziam aniversário. Acho que ela confundia com  A Festa de Aniversário. Mas ela estava certa. A gente completava ano. A gente completa sobrevivência. A gente completava qualquer coisa, dentro de nossas incompletitudes...
Hoje, mais um dia que remonta ao dia do meu nascimento  ( e eu esse aborto ambulante) me dou conta de que eu tenho mais coisas esquecidas, pessoas esquecidas do que qualquer outra coisa. A vida é isto: esquecimentos.
E é uma dádiva podermos esquecer, serenar nossas mentes e nossas memórias, ocupando espaços com o novo, descartando, às vezes as dores e dissabores da vida... a gente vai se esquecendo, ora repetindo tudo como se fosse novidade, ora se recusando por cansaço nos sentenciamos à inércia. 
Hojes a mais um apocalipse, hoje. Amanhã já não sei. 
Aliás, o apocalipse me acompanha desde cedo nessa vida. Quando não na presença de uma guerra nuclear ( quem era criança na década de 80 sabe do que falo) ainda pelas atitudes de esquizofrenia moral de minha irmã mais velha que se convertera ao neopentecostalismo que dizia o tempo todo que o mundo ia acabar anos 2000 à meia noite. Oras vejam só, um fim do mundo com hora marcada. 
Apesar da pouca idade, eu sabia que por ela e por eles eu já estava condenado ao inferno. Mas graças a deus um livro de história da 7ª série me salvou. Acabei me tornando ateu. E me resgatei do agouros cassandristas aos quais fui impingido tão cedo antes de acabar de sair da infância. Ela, minha irmã, se vangloriava que minha mãe, e todo o resto, que não tivesse nascido da água ( irônico porque passamos nove meses envoltos numa bolsa de água) iriamos para o inferno. Ela já estava com a salvação dela e dos filhos dela garantidas. Eram muitos demônios, eram muitas manifestações demoníacas...
Eu via o mundo como se de um buraco. Como se houvesse um rasgo na minha alma pelo qual eu pudesse ver através do véu ...Até hoje eu vejo a vida através de um buraco rasgado de minha alma. Quieto escondido, contemplando as tábuas rasas, as ignorâncias, as dores, as angústias e as burrices humanas. Um mero expectador.  Sempre me tenho com os olhos para fora desse buraco,quando não, durmo. Que é outra maneira de se esquecer vivo. Viver dói. 
Dói por inúmeras razões. Principalmente por esse rio que corre a que chamamos vida. Tudo corre. Nada é, só está. Que bom!
E arrastados por esse rio vão as lembranças e os enterros na lama que fazemos dos cadáveres que encontramos pelo percurso. Alguns deixamos insepultos, outros a gente sepulta, recalca. E nem lembra que passou, ficam nas curvas do rio da vida. 
À essa altura não direi que nunca me vi tão só. Mentiria, porque em mim nunca houve companhia, em mim uma agonia de não caber em lugar algum.  Mesmo depois de todas essas voltas que dei em torno do sol e de mim mesmo, ainda carrego comigo as inseguranças e incertezas da criança que nego que sou. A criança de 5 anos que chora e não sabe porque. Apenas chora. Via o  pôr do sol e chorava. Via as ruas vazias em noites de chuva e o coaxar dos sapos e sentia tristeza e via em tudo um sinal de apocalipse. Que bom que tivesse sido. Mas não foi. Meu apocalipse particular vai aqui dentro me corroendo dia após dia. 
É , na verdade, esse não fim que me incomoda e minha falta de coragem de dar fim a essa finitude o quanto antes. Não há razões para estar aqui. Mas estou.  Sobrevivendo a apocalipses pelos quais sempre anseio em segredo e me acovardo também em segredo, porque continuar vivo é a maior sentença de morte que o ser humano pode ter. Cercado por tanta coisa vã. Cercado por dores quando não a própria dor. Há em mim tantos de mim que acabo sendo o mesmo o tempo todo sem conseguir , sequer, ser qualquer coisa que não esse inspirar e expirar de ar covarde...
É covardia o que sinto, deveras. Ofensas gritam em minha cara. O que fica nas curvas do rio gritam a minha insignificância. Eu grito de volta: nossa insignificância!  Nossa!
Estamos destinados ao fracasso. Somos os fracasso em si. 
Fiat Lux!!!!!! mas nunca, nunca só essa imensidão de escuros que me engolem. Eu não vivo. Eu não tenho aniversários... /Completei anos de novo. Mas se tivesse uma festa de aniversario... aqui, no cume da montanha de onde começo rolar ladeira abaixo, é solitário. Haveria somente eu e minhas velhas lembranças em minha festa. A gente envelhece e as coisas vão sumindo. As pessoas que nunca estiveram deixam até de ser uma possibilidade.  
Mas quem carregamos, na verdade, dentro de nossos corações? E qual a serventia deles? Eu carrego o vazio de minha existência medíocre. Eu sou um aborto mal sucedido... E até eu me esquecer quem sou não poderei ser outra coisa, senão, esta.  Todas as minhas possibilidades me foram tomadas mesmo antes de eu nascer. 
Deixo de ser aborto quando  devo servir para alguma coisa. Um empréstimo, uma carona, uma companhia quando faltam todas as outras... Ah eu sou maravilhoso, me disseram, mas só nas curvas que ficam, mas nas curvas eu passo. 
Lá nas curvas jazem meus esquecimentos. Nas curvas do meu rio, que só transborda dor e solidão por existir só nesse mundo empesteado de gentes que não se vêm mais, apenas se exibem... e ninguém ver, ninguém repara, mas continuam se exibindo para um possível público. Como eu aqui escrevo, esperando companhia para uma vida menos rio e quem sabe uma vida um pouco mais lago...
Eu nem sou margem nem sou a água que passa. Eu sou a ideia de uma rio.E sigo para baixo...
Feliz aniversário!

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