17/12/2023

Natalices


Dia de montar a árvore de Natal. Minha vó ia bem lá nas entranhas de seu guarda-roupas buscar as caixas com as bolas de Natal. Bolas vermelhas, verdes, douradas, estrelas, menino Jesus, enfeites de toda sorte.

Na época, era tudo de vidro. Um vidro sensível, frágil, débil e lindo. Eu via minha cara pálida nos enfeites, como se fosse um espelho.

A árvore montada, galho por galho. Era de madeira, os galhos não sei dizer bem, mas era um plástico reluzente envolvendo as varetas de arame. Era um ritual.

"Cuidado, Nando!"

Ela era a única que me chamava de Nando. Muitas vezes, ela era a única que me via. Talvez sejam falsas memórias, mas não me lembro de minha mãe na minha infância. Lembro de minha vó. Lembro da árvore. Lembro do mingau de banana que ela fazia para mim. Lembro do tênis que ela não me deu. E me lembro do dia que ela morreu. E me lembro dos três meses antes que passei chorando, pois sabia que ela estava morrendo. E não estamos todos?

A época era diferente. Ela estava com hora marcada para morrer. Crescia em suas entranhas um tumor gigantesco. E crescia em mim a experiência da primeira morte perto. Da primeira morte de alguém que eu amava e que nunca, jamais, em momento algum, eu disse: "eu te amo".

Até aquele momento, ninguém nunca tinha me dito que me amava. Eu não saberia dizer o mesmo. Não saberia desenhar com meus lábios débeis e infantis o amor que sentia por ela.

Eu amei tanta coisa, tanta gente, e só eu que amei. Só eu que ia por um lado, eu sempre amei na contramão. Amei tanto que hoje duvido ser capaz de amar, de sentir amor.

É sempre no passado. Sempre.

A verdade é que no dia de Reis os enfeites voltam todos para a velha caixa empoeirada de papelão. E morremos um pouco. O brilho some um pouco. A vida acaba um pouco e repetimos um bocado de coisas até os brilhos saltarem da velha caixa embolorada.

Ah, minha vó deixou de montar a árvore quando ela virou evangélica. Evangélico gosta de escuro, de sombras.

Não importa. Ainda há uns brilinhos nos meus olhos e nas minhas recordações. Pisca-pisca, lampejos de uma possibilidade. Era Natal.

Mas logo em seguida era dia de Reis.

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