16/06/2024

Morar


   Eu sempre morei em mim (sozinho). Dizem que sou um lugar lindo (mas sempre deserto), mas como não me vejo e sou enviesado, não posso opinar. Para mim, as cortinas estão sempre cerradas. Na verdade, as pessoas falam uma coisa e me fazem sentir outra. Esse lugar lindo de que falam é o quartinho do fundo, onde só vão para largar algo que não serve mais ou para buscar algo esquecido. Tenho sido esquecido. Sou um quartinho de fundos onde só vão em último caso. 
Amei a poesia que sentia quando estava com você. Amei como me sentia com você. Estou magoado. Estou com medo. Tudo isso vai passar. A vida vai acabar. Em algum momento, nada disso terá tido importância. 
Abraço a minha insignificância todas as manhãs. Ela pesa. Tenho que sustentá-la com a cabeça erguida e não me arrastar como se fosse o maior perdedor do mundo. As flores secarão, se esfacelarão. O medo e a raiva também. Um dia encontraremos novas flores. Quem sabe flores vermelhas ou pretas (preto e vermelho são minhas cores favoritas). Chamava você de volta porque via lirismo na sua alma e meu coração rimava com sua voz calma. Queria ter passado horas lendo poemas com você, como daquela vez em que chorou quando li sobre minha vó e a árvore de Natal. Senti o calor de suas lágrimas correrem por minhas costas. Eu me senti ouvido. Entendido. Naquele momento, para mim, só existiam eu, você e a poesia que brotava entre nós. (Ainda que eu possa estar enganado), para mim foi poema, fomos dois artistas que se encontraram num breve espaço de tempo. Tudo em mim é transitório, passageiro, efêmero, muito embora eu queira agarrar para sempre nos meus braços o que acho bonito. Achei você bonito. Bonito para além da pele. O que fizemos um com o outro? Como pudemos ter sido tão levianos, líricos, poéticos e profanos ao mesmo tempo? Como podemos ser tão paradoxais? São lindas suas palavras. São lindas as palavras da sua carta. Mas o amor é mais do que palavras. Amar é escolha. Houve escolhas erradas. Desencontradas. Estou com medo ainda. Muito medo. Imagino como você se sente. Imagino mesmo. Mas também me sinto muito mal. Sim, é dado o direito a homens feitos de terem medo, de corarem, de irem chorar ao colo de suas mães. Estou tão perdido quanto imagino que você esteja. Eu não sei. Apenas não sei. Tudo em mim dói. Tudo em mim é um sintoma. Tudo em mim pode estar errado. Estou vivendo dopado. Esquecendo os dias vividos e morrendo de medo dos dias a viver. Não sei. Me sinto só. Não fisicamente só, mas existencialmente só. Encontro alívio num livro aqui e ali, com alguém que consiga traduzir em palavras as coisas não ditas que trespassam meu coração. A maioria do que sentimos não tem nome. Não tem palavra que grite e descreva o que é estar vivo, o que é estar nesse pequeno pálido ponto azul. No nosso microcosmo, tudo se agiganta: as dores, os temores, tudo. E nada se toca. Fisicamente (a de Einstein), nós, enquanto átomos, nunca nos tocamos. Nossos núcleos chegam pertinho um do outro, mas há um vazio cheio sabe-se lá de quê que não nos deixa nos tocarmos na plenitude inteira do afeto. Linda sua carta. Meu quartinho de fundo vai guardá-la para sempre. Sou um lugar lindo, mas não sou um lugar de se morar. Sou um lugar de se precisar. Sou um lugar de deixar só após se usar. Adorei ouvir a poesia que sua alma sussurrou na minha. E o que faremos com esses sussurros?

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