27/09/2025

O Dito Pelo Não Dito ou a dor de existir

 

Alguns rostos, muitos rostos  apenas  se erguem na multidão como feridas visíveis, como superfícies onde o peso da existência se imprime com crueldade. São rostos que não chamam, mas puxam o olhar — não pela beleza, mas pelo silêncio mineral que os habita. Neles, o olhar não se oferece como janela, mas como poço: fundo, turvo, impossível de atravessar.

Essas pessoas não caminham, arrastam-se pelo tempo como móveis herdados que ninguém pediu. Estão no mundo como cadeiras empoeiradas em um quarto fechado: cumprem a função da existência, mas sem jamais encontrar quem as ocupe. O absurdo nelas não é conceito, é músculo. É a própria carne que sustenta, todos os dias, o fardo de existir sem motivo.

Falta-lhes o vocabulário da própria dor. O que não se diz apodrece por dentro, transformando-se em pedra encostada no peito. E é isso que vemos no olhar: a ossatura de um sofrimento que nunca encontrou palavra. São rostos que gritam sem som, que carregam no silêncio uma confissão impossível.

E quando cruzamos com eles, somos atravessados. Não é apenas tristeza que despertam, mas uma pena bruta, quase vergonhosa, como se víssemos o absurdo despido diante de nós. Esses rostos lembram que viver não é sempre movimento ou desejo — às vezes é apenas peso. Um peso que se arrasta, que resiste, que permanece como um objeto teimoso na sala vazia do mundo.

Porque alguns rostos, poucos, trazem consigo a lembrança mais incômoda: a de que existir não é metáfora, não é promessa, não é escolha. É destino sem razão. E o olhar, nesses poucos, é o lugar onde o nada se revela nu, lembrando-nos de que viver é suportar o indizível — até que a palavra, se algum dia vier, consiga enfim dar forma à sombra. 

04/09/2025

Uma Mosca

 O voo leve e suave do autoperdão

Pousou na minha mão. 

Pensei que fosse uma mosca

Com a palma da outra mão 

Esmague o bicho 

Perdão aqui não! 

Ora, pois!

01/09/2025

Caixa Postal



Eu queria as cartas que você nunca escreveu pra mim. Queria segurá-las entre meus dedos, sentir a tinta que não existe, o papel que nunca tocou sua mão. Mas elas não existem. Nunca existiram. E mesmo assim, faço minhas próprias cartas, escrevo palavras que ninguém lerá, linhas que se perdem no silêncio da minha gaveta, peso inútil que carrego comigo como se pudesse preencher o vazio que pensei ser seu.

Quis ler você, mas você não postou uma palavra sequer .

 Não foi prosa, nem poema; foi apenas ausência, uma letra muda, um H qualquer;

 e eu me vi lendo páginas com palavras de minha própria esperança, essa coisa que seca antes de chegar ao mar.

 — bem ou mal escritas eu as queria; tortas ou perfeitas; elas gritam dentro do meu peito,

 tremulam minha ossatura e se esmagam contra minhas retinas, mesmo sem existir.


Eu não li suas linhas, não toquei seu corpo, não conheci sua presença em nenhuma forma possível. Tudo que tive foram minhas cartas, trancadas, inúteis, e a certeza de que você nunca seria nada além do que não chegou até mim: as cartas nunca enviadas.