27/09/2025

O Dito Pelo Não Dito ou a dor de existir

 

Alguns rostos, muitos rostos  apenas  se erguem na multidão como feridas visíveis, como superfícies onde o peso da existência se imprime com crueldade. São rostos que não chamam, mas puxam o olhar — não pela beleza, mas pelo silêncio mineral que os habita. Neles, o olhar não se oferece como janela, mas como poço: fundo, turvo, impossível de atravessar.

Essas pessoas não caminham, arrastam-se pelo tempo como móveis herdados que ninguém pediu. Estão no mundo como cadeiras empoeiradas em um quarto fechado: cumprem a função da existência, mas sem jamais encontrar quem as ocupe. O absurdo nelas não é conceito, é músculo. É a própria carne que sustenta, todos os dias, o fardo de existir sem motivo.

Falta-lhes o vocabulário da própria dor. O que não se diz apodrece por dentro, transformando-se em pedra encostada no peito. E é isso que vemos no olhar: a ossatura de um sofrimento que nunca encontrou palavra. São rostos que gritam sem som, que carregam no silêncio uma confissão impossível.

E quando cruzamos com eles, somos atravessados. Não é apenas tristeza que despertam, mas uma pena bruta, quase vergonhosa, como se víssemos o absurdo despido diante de nós. Esses rostos lembram que viver não é sempre movimento ou desejo — às vezes é apenas peso. Um peso que se arrasta, que resiste, que permanece como um objeto teimoso na sala vazia do mundo.

Porque alguns rostos, poucos, trazem consigo a lembrança mais incômoda: a de que existir não é metáfora, não é promessa, não é escolha. É destino sem razão. E o olhar, nesses poucos, é o lugar onde o nada se revela nu, lembrando-nos de que viver é suportar o indizível — até que a palavra, se algum dia vier, consiga enfim dar forma à sombra. 

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