24/11/2024

Dominguices

Dos 2.321 domingos que se passaram desde que nasci, este é o primeiro em que não há vida de Domingos neles. Na minha vida, Domingos teve um papel mínimo, quase imperceptível, miúdo. Foi um detalhe que nunca acrescentou nada aos domingos, nem à minha história. Domingos foi como um feriado no meio da semana: não serviu para muita coisa. Não me fez triste nem alegre. Hoje, o primeiro domingo sem Domingos vivo, e reafirmo o que sempre soube: os domingos seguem sendo apenas domingos. Nem tristes, nem mais tristes, mesmo sem a existência de Domingos. Ele foi mais ausente do que a lua em uma noite densamente nublada. E nem sequer poderia chamar sua presença de "lua minguante", pois até na lua minguante encontro poesia. Na vida e na morte de Domingos, não há nem tristeza, nem poesia. Domingos se foi, mas minhas noites de domingo permanecem as mesmas: solitárias, insignificantes, vazias. Descanse, Domingos. Agora, todos os seus dias serão domingos. Nem mesmo o luto arrancou de mim a poesia que você nunca me ofereceu. Dos 2.321 dias de domingos que testemunheitei esse não foi menos banal do que os outros. A morte nos iguala e sua falta não me abala. Teve a vida que pôde, quase a que quis. Domingos encontrava o domingo num copo de cachaça. E insisto em acreditar que a morte não não é castigo. Viver sem amor é. Você não me castigou.

11/11/2024

Memórias e Desmemórias





A relação que estou tendo com a memória tem sido paradoxal.


Parece que ando esquecendo de pessoas, fatos, coisas de propósito.


Esqueço o nome de fulano, o que me disseram, o que são, para além da matéria orgânico-biológica.


Eles têm sido uma experiência imemorável.


Esqueço rápido nome e sobrenome,


o que são e o que fazem,


menos o que me fizeram.


Esqueço porque a vida é sobre a lembrança do bem, do aconchego, do prazer.


E qualquer dor de cor e salteado deve habitar as desmemórias do universo.


É tudo tão distante, tão rápido de esquecer.


Qualquer um, qualquer coisa não passa de uma lembrança de um sonho sofrido.


Acordou, o sonho acabou,


e respiramos aliviados porque era só um sonho.


Desmemorizo, bem esquizo, crio versões paralelas igualmente esquecíveis e descartáveis.


Amemos o presente.


Não tenho passado,


menos ainda futuro.


Esqueci que dia é amanhã, mas pouco importa: hoje eu comi uma torta!





 Moro há mais tempo nessa casa do que já morei em algum lugar além de meu corpo. 

Moro aqui nessa casa 

Mas é na casa de criança,  na casa perto de onde nasci , no lugar onde nasci que as memórias florescem. 

Floreiam em mim os riachos pelos quais passei.

Floream em mim as mangueiras, 

As bananeiras, as jaqueiras,  laranjeiras 

Floream  em mim a infância  do sítio.  

Do nosso pedaço de terra de onde tirávamos maior  parte de nosso sustento. 

Jenipapeiros , coqueiros , cajueiros.

A velha casa de farinha. 

O forno da farinha, a prensa , o banco do rodete.  

Floream as velhas lembranças de infância 

Tão frescas quanto uma flor que acaba de desabrochar.

Florea com rimas e sem rimas 

Com gritos 

Com risos 

Com nostalgia  e acima de tudo 

Com alegria

A infância perfeita

E agora partida.


10/09/2024

Presto!

 Invejo profundamente aqueles que possuem amigos. Amigos de verdade. Porque, veja bem, eu fui amigo de muitos. Fui o amigo deles. Eles, no entanto, nunca foram os meus. A estrada entre nós sempre teve uma única direção, e eu, inevitavelmente, seguia pela contramão.


Eu sou o amigo que estende a mão sem ser chamado.


Sou aquele que chega quando todos se vão.


O amigo a quem recorrem nas horas de incerteza, nos momentos de desespero, mas que nunca é lembrado nas celebrações, nas alegrias. Nunca recebo um convite para o aniversário, para as pequenas festas da vida.


Sou o amigo solitário, sempre ali, em silêncio, como um livro na prateleira, esperando ser folheado quando alguém precisar de respostas.


Eu sou o amigo útil. O que paga com préstimos cada cumprimento superficial. E sem essa utilidade, me torno invisível. Eu fui invisível desde o dia em que nasci.


Sou o quarto dos fundos, onde se guardam coisas esquecidas, sempre à disposição, mas nunca realmente visto, nunca realmente querido.


15/07/2024

Um drink de saudade



Após um longo e imperceptível hiato, encontrei Richard (a azeitona do meu Martini). Nossa amizade foi sempre permeada por hiatos e afélios. Raramente fomos um ditongo crescente. Mas nos encontramos depois de anos, e foi como se os anos não tivessem passado. Não perguntamos pelo passado. Vivemos uma noite das antigas, com bebida e cigarro (não fumo, mas nessa noite, entretanto, abri uma exceção).


Precisava saborear novamente a ideia de ter um amigo que invadia minha casa, minha alma e meu sorriso. Ele foi o que eu tive de mais próximo de um amigo. Amigo no sentido mais amplo, mais devastador, mais intruso e, ao mesmo tempo, convidado.


No passado, passávamos horas acordados conversando, jogando, de mal, rindo. Acho até que já chorei. Nós nos vimos completamente nus, despidos de vergonhas, de moral, de ética. Fomos, por um período, irmãos (pelo menos para mim). E como vocês sabem, eu amo torto. Eu amo na contramão. Não importa se ele me amou tão visceralmente quanto eu o amei. Eu construí esse amor com todos os cacos de desamores que encontrei pelo caminho. Amo a ideia que tive dele em sua tenra idade, acabando de abandonar a adolescência ou num meandro de adolescente com infantilidade tardia.


Eu o ajudei, em algum momento, a descobrir o mundo. Descobrimos partes do mundo juntos. Eu amei Richard como o irmão que me faltou, como a um amante que me faltou.


Nunca mais experimentei o nível de intimidade que experimentei com ele com mais ninguém. Às vezes sinto saudade. Ele era tão nostálgico, embora tivesse vivido tão pouco. E eu, tão agarrado ao presente, sentindo cada minuto se acabando, sabendo que aquilo estava com os dias contados. Tic-tac. Boom!


Acabou. De repente, não fazíamos mais parte da vida um do outro. Na bifurcação da vida, a gente sempre vai para lados diferentes. Richard partiu e deixou um lugar que era só dele. Está aqui no meu peito todo o amor que senti por ele. Está no meu peito toda a intimidade. E está no meu peito o abandono que a vida nos impinge.


Hoje, ainda vivo na esperança de encontrar um novo Richard, para que o oco de minha alma não fique assim tão oco. Não por ele, mas por mim, que não sei viver. Sou um arremedo de vida, o quartinho de fundos.


Meu coração bateu um pouco mais forte, mais honesto e menos preguiçoso quando o vi. Mas sei também que foi só um flash, uns segundos roubados. Na vida de qualquer um, tenho menos peso que uma pluma.


Mas não importa. Na noite em que encontrei Richard, meu coração sentiu um acalento. E tomei meu Martini e comi a azeitona.


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06/07/2024

Ancorar e desancorar

 Eu sou como a pedra que afunda;

A corrente que você se arrasta. 

Eu sou o atraso do seu futuro.

Corra!

Me confundem com âncora quando convém.  

Me confundem com segurança quando convém 

Me garantem um futuro quando convém 

Amizades fincionalistas.  

Calculistas.  

Golpistas. 

Parasitas.

29/06/2024

Amnésia

 Assim como quem lembra do dia quando cai a noite 

Me lembrei de você 

Como quem quer esquecer .

25/06/2024

Risos rasos

 O sorriso das hienas: não  se enganem!

Riem à espera de que vc vire carniça. É  disso que vivem, de restos podres. Não  podem abater quem se eleva acima delas.

Nunca  vivi de  restos e tampouco  de  carniça. 

HIENAS!  Deite à noite  e pense NOS restos que a vida lhe trará,  restos podres e abra o seu sorriso falso, amargo e infeliz. O seu sorriso é só  dente.  É  o ranger da amargura de tua esquálida e patética  existência.  

No fim, meu caro,  tudo vira bosta e você vai ter um banquete para se fartar. 

H-I-E-N-A-S!

16/06/2024

Morar


   Eu sempre morei em mim (sozinho). Dizem que sou um lugar lindo (mas sempre deserto), mas como não me vejo e sou enviesado, não posso opinar. Para mim, as cortinas estão sempre cerradas. Na verdade, as pessoas falam uma coisa e me fazem sentir outra. Esse lugar lindo de que falam é o quartinho do fundo, onde só vão para largar algo que não serve mais ou para buscar algo esquecido. Tenho sido esquecido. Sou um quartinho de fundos onde só vão em último caso. 
Amei a poesia que sentia quando estava com você. Amei como me sentia com você. Estou magoado. Estou com medo. Tudo isso vai passar. A vida vai acabar. Em algum momento, nada disso terá tido importância. 
Abraço a minha insignificância todas as manhãs. Ela pesa. Tenho que sustentá-la com a cabeça erguida e não me arrastar como se fosse o maior perdedor do mundo. As flores secarão, se esfacelarão. O medo e a raiva também. Um dia encontraremos novas flores. Quem sabe flores vermelhas ou pretas (preto e vermelho são minhas cores favoritas). Chamava você de volta porque via lirismo na sua alma e meu coração rimava com sua voz calma. Queria ter passado horas lendo poemas com você, como daquela vez em que chorou quando li sobre minha vó e a árvore de Natal. Senti o calor de suas lágrimas correrem por minhas costas. Eu me senti ouvido. Entendido. Naquele momento, para mim, só existiam eu, você e a poesia que brotava entre nós. (Ainda que eu possa estar enganado), para mim foi poema, fomos dois artistas que se encontraram num breve espaço de tempo. Tudo em mim é transitório, passageiro, efêmero, muito embora eu queira agarrar para sempre nos meus braços o que acho bonito. Achei você bonito. Bonito para além da pele. O que fizemos um com o outro? Como pudemos ter sido tão levianos, líricos, poéticos e profanos ao mesmo tempo? Como podemos ser tão paradoxais? São lindas suas palavras. São lindas as palavras da sua carta. Mas o amor é mais do que palavras. Amar é escolha. Houve escolhas erradas. Desencontradas. Estou com medo ainda. Muito medo. Imagino como você se sente. Imagino mesmo. Mas também me sinto muito mal. Sim, é dado o direito a homens feitos de terem medo, de corarem, de irem chorar ao colo de suas mães. Estou tão perdido quanto imagino que você esteja. Eu não sei. Apenas não sei. Tudo em mim dói. Tudo em mim é um sintoma. Tudo em mim pode estar errado. Estou vivendo dopado. Esquecendo os dias vividos e morrendo de medo dos dias a viver. Não sei. Me sinto só. Não fisicamente só, mas existencialmente só. Encontro alívio num livro aqui e ali, com alguém que consiga traduzir em palavras as coisas não ditas que trespassam meu coração. A maioria do que sentimos não tem nome. Não tem palavra que grite e descreva o que é estar vivo, o que é estar nesse pequeno pálido ponto azul. No nosso microcosmo, tudo se agiganta: as dores, os temores, tudo. E nada se toca. Fisicamente (a de Einstein), nós, enquanto átomos, nunca nos tocamos. Nossos núcleos chegam pertinho um do outro, mas há um vazio cheio sabe-se lá de quê que não nos deixa nos tocarmos na plenitude inteira do afeto. Linda sua carta. Meu quartinho de fundo vai guardá-la para sempre. Sou um lugar lindo, mas não sou um lugar de se morar. Sou um lugar de se precisar. Sou um lugar de deixar só após se usar. Adorei ouvir a poesia que sua alma sussurrou na minha. E o que faremos com esses sussurros?

03/06/2024

Sigamos na leveza das impossibilidades humanas e na tristeza e no tédio do que é possivel.

03/04/2024

Catacumbas e casebres

 De certa forma estaremos ambos presos às nossas lembranças esfarrapadas;

Você estará em qualquer lugar do mundo. 

E eu estarei sempre no mesmo meu lugar de sempre.  

Quando se lembrar de mim  estarei aqui 

Sepultado como sempre estive.  

Você se lembrará de mim aqui . 

Não haverá nada que lhe faça esquecer de mim

 De meu pequeno mausoléu.  

Esquecerei de você porque o mundo é  grande 

 O meu amor é grande 

E você foi pequeno! 

E meu esquecimento é grande 

E minha casinha tão pequena 

Tão intacta 

Tão no mesmo lugar 

Estaremos eu e ela ali.

Mudarei uns móveis de lugar.  

Pintarei as paredes de outras cores.  

Seguirei sendo eu:

Esquecendo , e amando de novo.  Até esquecer de novo.  

Tudo com novas cores  ainda que no mesmo lugar. 

Vai-te, o mundo é teu!

Meu mesmo  só esses palmos de terra 🌎 


02/04/2024

Tarefas

 Há sempre o que fazer 

Uma casa por varrer 

Uma cama por forrar 

E um amor pra terminar .

Uma dor pra sentir 

Um adeus pra dar e partir.


E viveremos assim com tudo inacabo 

Porque o fim é acabado.




27/03/2024

De adeus em adeus

 Fomos já tarde um para um outro 

Nascemos prematuros 

Nunca sobrevivemos. 


Éramos insensatos

Você um vulto vão 

Que assolava só para rimar 

O meu coração.  

Expulso. Expelido . Esquecido. 

Você será uma sobra fácil de esquecer. 

O adeus mais fácil que já encontrei. 

A mentira mais sincera que já vivi. 

Nunca me enganou. 

Nunca me engano. 

Não me enganei. 

Roubou muita coisa de mim 

Mas  só que não me faria falta. 

Eu sem você continuo eu. 

Eu não peço nada, desgraça!

Que não seja por falta de adeus 

ADEUS !

Nem o lirismo da tristeza você despertou em mim.