Como vou enterrar meus cadáveres se o cheiro deles é o único cheiro que me lembra que existo?
Como vou esquecer o passado se ele é a única coisa que me sustenta, mesmo que seja veneno?
Como apagar o presente se ele já nasce morto, um teatro de gestos sem atores?
As pessoas que não esqueci apodrecem dentro de mim como frutas negras.
Não é amor, é rancor — um rancor que se alimenta de memória, um ressentimento que me costura por dentro.
Cada lembrança é um dente cravado na carne.
Eu não quero perdão. Eu não quero absolvição. Eu quero que as coisas explodam, que as promessas desabem, que o esquecimento seja um ácido.
Mas nada desaba. Nada explode.
Tudo permanece: como um cadáver que se recusa ao luto, como uma boca que insiste em falar depois de arrancada.
Eu sou a cova e o coveiro.
Sou amnésia que tarda.
O Parkinson roto.
Eu sou o resto.
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