04/10/2025

Amnésia rota ou como não se esquecer

 Como vou enterrar meus cadáveres se o cheiro deles é o único cheiro que me lembra que existo?

Como vou esquecer o passado se ele é a única coisa que me sustenta, mesmo que seja veneno?

Como apagar o presente se ele já nasce morto, um teatro de gestos sem atores?


As pessoas que não esqueci apodrecem dentro de mim como frutas negras.

Não é amor, é rancor — um rancor que se alimenta de memória, um ressentimento que me costura por dentro.

Cada lembrança é um dente cravado na carne.

Eu não quero perdão. Eu não quero absolvição. Eu quero que as coisas explodam, que as promessas desabem, que o esquecimento seja um ácido.


Mas nada desaba. Nada explode.

Tudo permanece: como um cadáver que se recusa ao luto, como uma boca que insiste em falar depois de arrancada.

Eu sou a cova e o coveiro.

Sou amnésia que tarda.

O Parkinson roto.

Eu sou o resto.



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