Não há fuga. Não há retorno. Os lugares e rostos que a memória entalhou são cadáveres em vida, perfeitos apenas na mentira que insistimos em chamar de lembrança. Queremos correr, nos jogar no abraço da ilusão, mas o chão é só chão, e nada espera, nada acolhe.
Dói como o corpo grita por água enquanto o mundo diz “fique seco”. Dói como segurar o mar na mão, ver a onda se espalhar e não poder ser arrastado por ela. Cada passo que damos para não sucumbir ao passado é um corte aberto na carne da alma, uma ferida que sangra lembranças e desejos que nunca existiram fora da mente.
Vivemos enlutados. Não pelo que perdemos, mas pelo que nunca foi. O presente nos olha com vazio e exige presença que não temos. O impulso de voltar, de buscar, de dissolver-se na memória é uma dor física: aperta o peito, queima a garganta, arrasta os pés. Resistir é respirar através do ferro, é aprender a caminhar com ossos partidos, sem poder tocar o conforto que a imaginação oferece.
E ainda assim seguimos. Cada passo é um duelo com nós mesmos, com a ilusão que nos chama, com o desejo que nos rasga por dentro. Sobrevivemos não pelo prazer, mas pelo peso de nos mantermos vivos no instante real, onde nada é perfeito, nada nos espera, e tudo dói exatamente como é.