04/10/2025

Não há fuga. Não há retorno. Os lugares e rostos que a memória entalhou são cadáveres em vida, perfeitos apenas na mentira que insistimos em chamar de lembrança. Queremos correr, nos jogar no abraço da ilusão, mas o chão é só chão, e nada espera, nada acolhe.Dói como o corpo grita por água enquanto o mundo diz “fique seco”. Dói como segurar o mar na mão, ver a onda se espalhar e não poder ser arrastado por ela. Cada passo que damos para não sucumbir ao passado é um corte aberto na carne da alma, uma ferida que sangra lembranças e desejos que nunca existiram fora da mente.Vivemos enlutados. Não pelo que perdemos, mas pelo que nunca foi. O presente nos olha com vazio e exige presença que não temos. O impulso de voltar, de buscar, de dissolver-se na memória é uma dor física: aperta o peito, queima a garganta, arrasta os pés. Resistir é respirar através do ferro, é aprender a caminhar com ossos partidos, sem poder tocar o conforto que a imaginação oferece.E ainda assim seguimos. Cada passo é um duelo com nós mesmos, com a ilusão que nos chama, com o desejo que nos rasga por dentro. Sobrevivemos não pelo prazer, mas pelo peso de nos mantermos vivos no instante real, onde nada é perfeito, nada nos espera, e tudo dói exatamente como é.

Não há fuga. Não há retorno. Os lugares e rostos que a memória entalhou são cadáveres em vida, perfeitos apenas na mentira que insistimos em chamar de lembrança. Queremos correr, nos jogar no abraço da ilusão, mas o chão é só chão, e nada espera, nada acolhe.

Dói como o corpo grita por água enquanto o mundo diz “fique seco”. Dói como segurar o mar na mão, ver a onda se espalhar e não poder ser arrastado por ela. Cada passo que damos para não sucumbir ao passado é um corte aberto na carne da alma, uma ferida que sangra lembranças e desejos que nunca existiram fora da mente.

Vivemos enlutados. Não pelo que perdemos, mas pelo que nunca foi. O presente nos olha com vazio e exige presença que não temos. O impulso de voltar, de buscar, de dissolver-se na memória é uma dor física: aperta o peito, queima a garganta, arrasta os pés. Resistir é respirar através do ferro, é aprender a caminhar com ossos partidos, sem poder tocar o conforto que a imaginação oferece.

E ainda assim seguimos. Cada passo é um duelo com nós mesmos, com a ilusão que nos chama, com o desejo que nos rasga por dentro. Sobrevivemos não pelo prazer, mas pelo peso de nos mantermos vivos no instante real, onde nada é perfeito, nada nos espera, e tudo dói exatamente como é.


Agelus

 Às 18h, a melancolia se revela, vestindo o disfarce da saudade, mas o que pulsa por baixo é o ego ferido — o incômodo de perceber que tudo o que passou não volta, mesmo quando ainda lembramos. O dia finda e, com ele, se impõe uma contagem silenciosa: todos os que cruzaram nosso caminho, os marcantes e os quase invisíveis, compartilhando o mesmo destino inevitável — tornar-se passado.


Entre uma lembrança e outra, surge a dúvida: será que fui realmente esquecido, ou apenas os laços se romperam, as conveniências se desfizeram, e o mundo seguiu seu curso indiferente? Talvez o esquecimento jamais seja total; alguns esquecimentos fracassados e rotos permanecem, não como presença, mas como ecos do que fomos e do que já não podemos ser.

Na hora do anjo, a mente tenta preencher o vazio: imaginamos o que os outros fazem, onde estão, se ainda existem em algum fragmento de consciência. Mas a superação não é libertação, é risco — o risco de confrontar novamente o fracasso das relações, de repetir o ciclo inevitável: todos os encontros, cedo ou tarde, se dissolvem no passado. E, nessa dissolução, reside a mais crua constatação: somos passageiros, e tudo o que tocamos é efêmero, memórias que resistem apenas enquanto nos lembramos.


Água procura caminho

 Na curva do rio ficam os destroços — o que já não serve à travessia. Amores saturados de pressa, gestos inacabados, palavras que não suportaram o peso do silêncio. O curso das águas não se detém; ele carrega apenas o que ainda pulsa, o que tem densidade suficiente para continuar. O resto, o leve demais, o frágil demais, se encosta na margem e apodrece devagar, como se o tempo ali fosse mais viscoso.


Vivemos num mundo onde os vínculos se desfazem antes de secar a primeira lágrima. O toque virou metáfora, e a presença — notificação. Tudo flui, dizem, mas o que flui demais não cria raiz; apenas atravessa, como um corpo sem memória. Cada encontro é um estilhaço, um lampejo que já nasce condenado ao esquecimento. A liquidez das relações não dissolve a solidão, apenas a disfarça com reflexos e promessas.


O rio segue — indiferente. Não há culpa na correnteza, apenas instinto. O que presta resiste à força da água, adapta-se, encontra novas margens. O que não presta — e talvez sejamos nós, ou o modo como amamos — fica ali, retido na curva, lembrança de uma permanência que não soubemos sustentar.


E o rio continua, como o tempo, como a vida: carregando e descartando, escolhendo sem escolher, limpando-se do peso dos laços que não soubemos manter.


Amnésia rota ou como não se esquecer

 Como vou enterrar meus cadáveres se o cheiro deles é o único cheiro que me lembra que existo?

Como vou esquecer o passado se ele é a única coisa que me sustenta, mesmo que seja veneno?

Como apagar o presente se ele já nasce morto, um teatro de gestos sem atores?


As pessoas que não esqueci apodrecem dentro de mim como frutas negras.

Não é amor, é rancor — um rancor que se alimenta de memória, um ressentimento que me costura por dentro.

Cada lembrança é um dente cravado na carne.

Eu não quero perdão. Eu não quero absolvição. Eu quero que as coisas explodam, que as promessas desabem, que o esquecimento seja um ácido.


Mas nada desaba. Nada explode.

Tudo permanece: como um cadáver que se recusa ao luto, como uma boca que insiste em falar depois de arrancada.

Eu sou a cova e o coveiro.

Sou amnésia que tarda.

O Parkinson roto.

Eu sou o resto.