22/10/2025

Pré-treinos e desistências


Desisti da corrida. O motivo é pequeno demais para justificar-se e grande demais para ser ignorado. Seria o único homem — e, ironicamente, o único gay — entre um grupo de mulheres que se conhecem por dentro dos silêncios. Eu seria o corpo estranho, a nota que desafina, o olhar que não se encaixa. Há um desconforto em existir onde não há espelho — um mal-estar que não vem dos outros, mas da própria consciência de estar deslocado.

Essas mulheres me cercam por acaso, como presenças orbitando a mesma rotina. Não são minhas amigas, tampouco estranhas. São figuras de um mesmo cenário que se repete, dia após dia, até parecer natural. Compartilhamos o tempo — esse tempo utilitário que se gasta, não se vive. O que nos une não é afinidade, mas convivência.

E eu, nesse meio, hesito. Há um medo quase físico de parecer o chaveirinho gay, o ornamento simpático que o mundo aprendeu a incluir para parecer mais justo. Essa ideia me repugna. Não quero ser o alívio cômico, o confidente neutro, o homem inofensivo que só serve enquanto não ameaça. Por isso desisti da corrida: não suportaria o gesto do incentivo, o sorriso de quem pensa estar acolhendo.

A corrida seria apenas mais uma representação — o corpo fingindo vigor, a mente disfarçando exílio. Preferi o silêncio, a ausência, o não-gesto. Há mais verdade em não estar do que em forçar presença onde não há lugar para o que sou.

E o que sou? Talvez nada mais que um intervalo. Um hiato entre identidades possíveis, uma pausa sem destino entre o desejo e o cansaço. Não pertenço, não recuso. Apenas existo — de modo provisório, consciente, absurdo.

No fim, todos somos isso: fragmentos tentando parecer inteiros, pequenos lapsos de sentido flutuando num tempo que não exige explicações. Hiatos tolos e passageiros, convencidos — por um instante — de que havia alguma corrida a vencer.


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