O calendário é, no fundo, uma piada de mau gosto. Não rasgamos a folha para inaugurar um novo dia, mas para virar a página da mesma paisagem, do mesmo cheiro de café requentado e da mesma urgência que não nos leva a lugar nenhum. A ansiedade mora nesse loop de segundos idênticos, de cores mornas que se recusam ao ineditismo. A gente se debate no tédio ou na pressa, que são apenas faces opostas da mesma moeda de inutilidade.
Esperamos a grande curva, a reviravolta que justifique o oxigênio gasto e o saldo de horas desperdiçadas, mas a vida, essa velha atriz cínica, prega a peça mais cruel: a do vazio questionável. É um oco no peito que tentamos preencher com ruído, com notificação, com a promessa de um futuro que nunca chega para desafiar o presente estagnado. E então percebemos que a única coisa verdadeiramente nova é a poeira que se acumula sobre as expectativas não atendidas.
E é aí que, no instante mais despropositado, entre um suspiro e um gole de água, o destino revela sua cartada final. O fim não precisa de holofotes, de tambores ou de um grand finale cinematográfico. Ele se anuncia no ruído branco de uma terça-feira banal, num silêncio que não deveria existir. A peça de vazios questionáveis culmina em um fim provável, mas que se materializa com a elegância perversa do improvável.
A Morte, que não conhece a moral, o juízo ou a contabilidade das virtudes, não vem para julgar se a crônica valeu o tempo que durou. Ela é amoral, uma simples e eficiente força da natureza. Não há escrutínio sobre o que foi feito ou deixado de ser.
Ela chega, estende a mão. E leva.
Leva a pressa, o tédio, a angústia da repetição, os vazios questionáveis. Leva o ponto final de uma frase que se tornou extensa demais. E resta, então, apenas a ausência de julgamento, o silêncio sem veredicto, que é o derradeiro e mais absoluto dos vazios.