30/10/2019

Despedidas contínuas

Agora choro a morte de alguém que ainda não morreu, mas que eu vejo morrer. Choro. Antecipo a dor, a duplico: a de agora e a de quando. Mas vou chorando mesmo porque a morte é inevitável e o choro é a ilusão do alívio. Deliro o alívio ao sentir seu rosto, o sabor do café que não será mais feito por aquelas mãos trêmulas. Sua voz, trêmula, lenta e impaciente, com aquela língua afiada, um canto só dela. Olho-a e vejo que ela está morrendo. Esquece cada vez mais rápido. Faz coisas escondidas, com medo de represálias, como uma criança malina. Finjo. Choro, mas finjo e choro de novo. E quero morrer também, pois a vida se encerra nela. Quem me amaria como um estúpido bruto e burro como eu? Ela esquece quem sou a cada segundo e, no segundo seguinte, me ama mais, como se eu fosse o mais amável de todos, como se fosse sempre o amor de sempre. Como não chorar e não perder o sono, estando tão desperto para a morte? Para o fim de uma existência insignificante? Mas é meu todo universo, ainda que eu negue, fuja, pule a janela, tenha medo do abandono – não dela, por ela, mas de mim, por mim, pelo que sou. E ela me ama. Toma banho, penteia os cabelos, coloca perfume, me beija na testa e pergunta: "Você está bem mesmo, né?". E digo, quase chorando: "Oxi, mainha, tô bem sim". Mas é mentira. Nunca estou bem. Ou choro ou grito. Ou é ira ou é castigo. Sou isso. E já estou cansado disso, daquilo, do medo, da morte e do dia da morte. E já vou chorando hoje. Duas dores. Um corpo e um universo.

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