22/06/2025

Manual para um Estrangeiro de mim Mesmo




Não me preocupo mais com ele.

Dei alta ao delírio amoroso

e deixei ele na portaria do meu desinteresse.

Não quero. Não duvido. Não tem suspense.

O problema é outro,

é a mobília desarrumada da minha existência.


A dúvida agora é uma cadeira sem perna

num apartamento onde até o silêncio paga aluguel.

É a solidão vestida de terno,

me oferecendo café amargo às 3h37 da manhã

enquanto questiono por que os espelhos não me respondem em voz alta.


Sou estrangeiro em todas as geografias —

inclusive em mim.

Falo mal todas as línguas,

inclusive a do afeto.

Não sei sorrir sem parecer um anúncio de derrota

nem abraçar sem parecer um susto.


Esse não-pertencimento me rói as pontas,

como rato que lê Camus em noites de tempestade.

Sou socialmente analfabeto:

não sei conjugar o verbo “estar junto”

sem tropeçar nas vogais.


Eis meu drama:

sou só.

Mas não uma solidão de violino.

Sou só como um semáforo no deserto,

como um elevador em prédio abandonado,

como um convite perdido em caixa de spam.


Nada é trágico demais,

tudo é só ridiculamente sem sentido.

E eu sigo,

como quem continua existindo só pra ver

no que vai dar essa palhaçada.

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