Vc é um grito de desespero Ecoando no meu coração.
Não sou mais seu cão.
talvez e só talvez, a poesia salve alivie as dores da alma entre tantos espinhos que nos espetam.
Já não rastejo sob teu olhar.
Deixei de ser teu cão;
Agora sou apenas ausência, errância e silêncio.
Parecia o fim de uma guerra. Mas foi só o dia depois da festa de São João. Os estouros eram de alegria. O fogo era pra esquentar. Nada disso era pra acabar com nada. É assim o São João.
Ele explode de alegria, como fogos que brilham e somem. Deixa a fumaça da festa. Ah, São João! Sobrou só a cinza no chão, mas um calorzinho estranho no peito. Uma lembrança boba de que, mesmo depois de tudo virar pó, algo sem explicação ainda fica, meio sem sentido, mas fica.
Não há lugar no mundo pra mim —
sou sobra de silêncio que ecoa,
vestígio de um plano que nunca fui.
Tudo o que você sente, eu rasgo:
vento que desfaz mapas,
risco no vidrovdo eterno.
Sou o gume do que você imagina,
o contrafluxo da sua esperança.
Sinto muito —
e este muito é um deserto que floresce.
A equação sangra números falsos,
engasga em x que não se resolve.
Ele me diz:
"Prefiro acreditar no que imagino,
ser luz falsa,
mesmo quando tudo
desaba em cinza."
E eu — naufrágio que tece algas —
cuspindo âncoras:
"Guarde seu castelo de ar.
Não quero sujar-lhe o véu."
Mas hoje,
hoje eu mordo o não
cravado em meu céu.
Vejo selos com frestas,
fósseis de passos,
tempo que fermenta,
impossibilidades afiadas
como facas de mim mesmo.
A vida…
esta queda que constrói abismos,
este grito que escava respostas.
Quem vai me indenizar pelos gritos que engoli a seco?
Pelos cortes invisíveis que sangram por dentro
e empapuçam meu silêncio de ferrugem?
Quem vai cobrir o rombo que a vida fez em mim?
Essa hemorragia lenta
que começa na alma
e escorre pelos olhos sem aviso?
Morrer talvez não doa.
Mas viver arranca o couro.
É prego no peito,
faca cega na costela,
agulha suja espetando os dias.
Conheço todas as dores porque elas me comeram por dentro.
Roeram meu fígado,
mastigaram meus nervos,
lamberam minhas vísceras como se fossem banquete.
A quem envio esse corpo em ruínas?
A que autoridade reclamo a amputação dos meus sonhos?
Quem me paga pelos pedaços de mim
que abandonei em cada escolha fictícia?
Me prometeram futuro —
me entregaram restos.
Me disseram esperança —
recebi espinhos
no estômago, no sexo, no coração.
Não há recibo do que sofri.
A vida não emite nota fiscal.
Sou a mercadoria vencida
jogada no fundo da prateleira do mundo.
E sigo vivo,
porque não aprendi a morrer.
Mas cada dia me esfaqueia um pouco mais.
E eu sorrio com a boca rasgada,
tentando parecer inteiro
enquanto carrego tripas nos bolsos.
Não há lugar no mundo pra mim
sou um erro de digitação no mapa.
Sou o que não coube em parte alguma,
um eco sem voz, um fim sem meio.
Tudo isso que você sente
é ilusão com data de validade vencida,
um afeto que evapora na primeira corrente de ar,
um trem fantasma sem rota nem trilho.
Sou nada do que você pensa.
Sou menos do que o que você sente.
Sinto muito e sou pouco.
Menos que pouco. Um quase. Um nunca.
A equação não tem resposta.
O X desistiu de ser incógnita.
A lógica é uma gargalhada sem som
num abismo onde a gravidade
também perdeu a fé.
Não me preocupo mais com ele.
Dei alta ao delírio amoroso
e deixei ele na portaria do meu desinteresse.
Não quero. Não duvido. Não tem suspense.
O problema é outro,
é a mobília desarrumada da minha existência.
A dúvida agora é uma cadeira sem perna
num apartamento onde até o silêncio paga aluguel.
É a solidão vestida de terno,
me oferecendo café amargo às 3h37 da manhã
enquanto questiono por que os espelhos não me respondem em voz alta.
Sou estrangeiro em todas as geografias —
inclusive em mim.
Falo mal todas as línguas,
inclusive a do afeto.
Não sei sorrir sem parecer um anúncio de derrota
nem abraçar sem parecer um susto.
Esse não-pertencimento me rói as pontas,
como rato que lê Camus em noites de tempestade.
Sou socialmente analfabeto:
não sei conjugar o verbo “estar junto”
sem tropeçar nas vogais.
Eis meu drama:
sou só.
Mas não uma solidão de violino.
Sou só como um semáforo no deserto,
como um elevador em prédio abandonado,
como um convite perdido em caixa de spam.
Nada é trágico demais,
tudo é só ridiculamente sem sentido.
E eu sigo,
como quem continua existindo só pra ver
no que vai dar essa palhaçada.