16/02/2025

Reflexos Solares , Brilhos Lunares

O dia corre, e eu não corro com ele, Ergue-se alto e minha vida declina. A luz se arrasta, riscando o cruel pele, Apolo açoita—e a treva domina. O dia morre, e eu morro ao seu lado, Sem grandes atos, sem cena ou aplauso. Mas no ocaso, em rubro incendiado, Há uma beleza queinvade o meu caos. Do outro lado, Selene desponta, E eu grito à lua:esvaziaram-me a vida! Vai tarde o dia, a noite não tarda. Nada se leva, e nada se conta— Apolo sucumbe, sua chama é perdida. Eia, Selene! Que a dor me resguarde. ---

Selene e Apolo

O dia passou por mim Eu não passei pelo ele. O dia já vai alto E Já vai baixa minha vida. A luz passando se arrastando pelos penhascos da vida . Apolo dá suas ultimas chibatadas inutilmente: O escuro sempre vem. O dia morre, Morro junto, Sem espetáculos; Mas morro junto à beleza do crepúsculo Do lado oposto vem a luz da lua. E grito diante dela:A vida é vazia, esvaziaram-lhe. Vai tarde o dia Vem cedo a lua que nunca demora selenomancias à parte O que é posto; posto Está. O dia passou por mim Eu não passei por ele. Passei só. A noite caí junto à lua. O dia não aguentou se manter sob as pancadas ligeiras de Apolo. O dia passa e não leva e nem traz nada. Apolo dá suas ultimas chibatadas. cai a noite cai meu pranto. Sobe alta a minha dor no céu junto ao espaço. Lua cheia de dor. Sol cheio luz cegante evansecente Adeus Apolo Adeus Eia, Selene!

12/02/2025

Mais um

Mais um dia em que não fui nada. Não li. Nâo pedalei. Nem comi. Mais um dia em que não fui nada. Não vi. Nâo caminhei. Nem sorri. Mais um dia em que não fui nada. Não dormi. Nâo sonhei. Só fingi. Mais um dia e nada mais.

24/01/2025

Um sábado numa sexta

Para mim, hoje é sábado. Minha cabeça diz que é sábado, mas o calendário atesta, peremptória e laconicamente:É sexta-feira. Diante desse fato inconteste, não sei se o final de semana me parecerá mais longo ou mais curto. Há coisas coisas pela frente que relego ao destino vazio da esperança. A ignorância futura se esparrama sobre mim como a manteiga se esparrama pelo pão quente. No pão quente a manteiga se esparrama tangivelmente; já não é uma esperança vazia é um bocado de fome passada, uma festinha das papilas gustativas . O dia, entretanto, é uma esperança vazia, vaga, improfícua, como toda esperança o é. Hoje é sexta-feira, poderia ser sábado, não há diferença exceto pelo dia a mais e pela esperança ansiosa de se ser alguma coisa. É sexta-feira, mas amanheci pensando sábado.

05/01/2025

Café da Manhã

Ao acordar, fui para a sala. Por falta do que fazer, girei a ampulheta que jazia sobre a mesa de centro, deixando-a apontar, impessoal e inevitável, o passar do tempo. Fui fazer meu café. O aroma quente se espalhou pela cozinha, preenchendo o vazio da manhã cinzenta com uma espécie de conforto, breve, mas necessário. Voltei para a sala. Sei que passou uma hora, talvez um pouco mais. A ampulheta já havia transferido toda a areia de um bulbo para o outro. Uma hora transcorrida numa segunda-feira que parecia não ter rosto. O horário exato? Não sei. Não importa. É como a vida: a gente desconhece, ignora seu transcorrer. Quando percebe, está vazio de tempo. Não há como inverter os lados e começar tudo de novo. O tempo escorre. Passam-se segundos, minutos, horas, dias, anos, vidas. Tudo vai se esvaziando. E a ampulheta nos lembra, cruel e precisa, que é só de ida. A vida não tem volta. A vida só tem morte. Talvez, com sorte, tenha também uma dança. Quem sabe uma dança entre um minuto e outro, antes do vazio final. Mas a dança final é sempre solitária, um solo de rodopios desajeitados, cheios de vertigem e descompassos. A vida é isso: um solo mal executado. Mas ainda assim, é linda !
Volto para a sala e viro novamente o bulbo da ampulheta, como se, ao fazê-lo, eu pudesse prolongar algo — a contemplação, a ilusão, ou apenas a manhã cinzenta. Sento-me e olho a areia escorrendo. Cada grão forma um pequeno monte, silencioso e implacável. "Olha", eu digo a mim mesmo, "o tempo está escorrendo grão a grão. Cuide. Avie." Mas não cuido. Não me apresso. Apenas contemplo. Testemunho. O café esfria na xícara, e eu me deixo levar pelas palavras de um poema. Porque, se é para morrer, que seja com palavras bonitas nos lábios. Que ao menos a alma se encha de beleza emprestada, mesmo que por um instante, pelos sentimentos de poetas que transformaram suas vidas — e a nossa — em versos. E, no fim, cada grão que escorre traz um lembrete mudo: a ampulheta não devolve o que foi. Mas, talvez, as palavras nos devolvam. E, assim, seguimos.